Série: Oliver O’Donovan (P.1)

Ruan Bessa
4 min readOct 9, 2020

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1. Prólogo

Nesta série de textos meu objetivo é apresentar paulatinamente ideas chaves do pensamento moral e político do ministro e teólogo britânico Oliver O’Donovan (1945-) começando com seu livro Ressureição e Ordem Moral: Um Esboço para uma Ética Evangélica (daqui em diante ROM). Os textos serão curtos (encorajar a leitura) e o mais acessíveis possível (público mais abrangente).

O’Donovan é conhecido pelo seu trabalho no campo da ética cristã e suas contribuições em teologia política (histórica e contemporânea). O’Donovan lecionou na Universidade de Oxford (1982–2006) e na Universidade de Edinburgh (2006–2013). O’Donovan é um ávido interprete das escrituras, profundo conhecedor da tradição cristã, da história do pensamento ocidental e seus desdobramentos. Como meu professor Matthew Tuininga certa vez disse em aula: “talvez ninguém conheça a tradição moral e política cristã tão bem como O’Donovan.”

Enfim, creio que o pensamento de O’Donovan é muito fértil e útil para os desafios que a Igreja enfrenta hoje, isso é o que motiva esta série.

Vamos sem pressa!

2. O Subtítulo: “Esboço para” e Ética “Evangélica”

A primeira coisa a notar é que o subtítulo ROM é “um esboço para e não “o esboço de uma ética evangélica. Ou seja o livro não aborda os temas da teologia moral (eutanasia, sexualidade, virtude, etc.) mas esboça os princípios teológicos a partir dos quais uma ética cristã deve operar e apresenta e amarra os conceitos morais básicos (ex. ordem moral, autoridade moral, campo moral, etc.) de forma arquitetônica e sistemática.

A segunda coisa a notar é que O’Donovan fará um esboço para uma ética evangélica. Falamos geralmente de teologia evangélica e ética cristã, entretanto, O’Donovan quer deixar claro que “a ética cristã deve emergir do evangelho de Jesus Cristo. De outra forma ela não poderia ser uma ética cristã.” (11)

A idea parace óbvia, mas O’Donovan expressa algo mais forte do que talvez tenhamos em mente aqui. Ele qualifica:

A crença na ética cristã é a crença de que certas convicções e julgamentos morais pertencem ao evangelho em si; a crença, em outras palavras, de que a Igreja pode ser comprometida com a ética sem ter que moderar o tom da sua voz como portadora de boas novas.

Em outras palavras, a moralidade e as boas novas chegam juntas e de mãos dadas. As boas novas de Deus em Jesus é ao mesmo tempo o anúncio da possibilidade e realização da vida moral.

Ainda sim, na prática, muitos separam fé e moralidade. Logo, cristãos éticos e ética cristã não fazem necessariamente um par. É comum ouvirmos que a fé em Cristo tem implicações para nossas convicções e julgamentos morais ou que a espiritualidade cristã acentua a preocupação com a dimensão moral da vida.

Ainda sim, a fé em Cristo está um passo atrás, numa relação indireta com a moralidade. A substância das questões éticas não estão abertas para um iluminação especial do evangelho e cristãos e não-cristãos estão num mesmo plano no que diz respeito a discernir a diferença entre o bem e mau.

3. A Separação entre Fé e Moralidade: Moralismo e Antinomismo

Quais são as implicações desta separação entre evangelho e moralidade? Nos tornamos moralistas ou antinomistas. O’Donovan tem algo espífico em mente com esses termos.

Moralismo significa que que convicções morais apenas qualificam o evangelho, seja como uma preparação para boas novas (elas só trazem condenação, assim como lei mosaica, incapaz de salvar, serve para realçar o pecado), ou como regras que regulam uma dimensão da vida que, em última instância, está fora da ação e do senhorio de Cristo. Antinomismo se refere ao sustento da fé cristã “de maneira que expressa descaso, ou atenção insuficiente, a questões morais.” (12)

Inevitavelmente somos confrontados com a questão se certos julgamentos e convicções morais são parte do próprio evangelho ou não. Se não, o que nos resta é sermos integralmente evangélicos e ignorarmos a moralidade (antinomismo/licença) ou respeitar a moralidade as custas de sermos parcialmente evangélicos (moralismo/lei), visto que o evangelho não abrange diretamente nossas convicções morais.

4. O Chamado a uma Ética Integralmente Evangélica

O’Donovan aponta que no Novo Testamento só há duas alternativas: a ética evangélica, isto é, a vida no Espírito ou a vida na carne. Logo, optar entre moralismo (lei) e antinomismo (licença) é oscilar entre duas formas sub-cristãs de vida. Portanto,

um cristianismo consistente deve tomar um rumo completamente diferente, o rumo de uma ética integralmente evangélica que alegra o coração e ilumina os olhos pois brota da dádiva de Deus a humanidade em Jesus Cristo. (12)

Assim, uma ideia central em ROM é que a moralidade é intrínseca ao evangelho e a fé cristã, uma área da vida tocada por Jesus e debaixo do seu senhorio.

Bom, dizer que a moralidade vem junto com o evangelho é certamente um bom início, mas é ainda muito vago. O que isso significa de fato? É aí que o título nos oferce uma pista do caminho que O’Donovan irá traçar: “Ressurreição e Ordem Moral.”

Até o próximo texto!

Para Refletir (Sinta-se a vontade para deixar Comentários)

O que significa dizer que a moralidade é parte do evangelho?

Você percebe tensões ou uma separação entre suas convicções morais e as boas novas de Deus em Jesus? Se sim, busque articular o porquê.

Você concorda que a substância das questões éticas estão abertas para uma iluminação especial do evangelho?

Sobre o Autor

Ruan Bessa frequenta a Igreja de Cristo (PCA) e cursa o doutorado pelo Calvin Theological Seminary em Grand Rapids, Michigan.

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Ruan Bessa

“Fim? Não, a jornada não acaba aqui… A cortina cinza deste mundo se enrola e tudo se transforma em vidro prata. E aí você vê…” Gandalf